segunda-feira, 16 de março de 2009

Crítica - Verdades e Mentiras



O escritor mineiro Sérgio Rodrigues mistura jornalismo e ficção para trazer à luz a história de Elza, garota executada pelo Partido Comunista Brasileiro nos anos 30

Por Jonas Lopes

Depois de se aventurar pelo futuro em As Sementes de Flowerville (2006), romance pontuado por referências a graphic novels, o escritor e jornalista mineiro Sérgio Rodrigues se volta para um episódio pouco lembrado e um tanto obscuro do passado em Elza, a Garota. Misturando jornalismo, ensaio e ficção, recupera a história do assassinato da adolescente Elza Fernandes, estrangulada a mando do Partido Comunista Brasileiro em 1936, meses após a malfadada tentativa do Partidão de tomar o poder no governo Getúlio Vargas — a Intentona Comunista.

Entre os detalhes do incidente que permanecem imprecisos, estão a idade de Elza, "nome de guerra" de Elvira Cupello Calônio. A certidão de nascimento dizia 21 anos, mas uma série de declarações e documentos, inclusive o laudo de legistas, aponta para 16. Também não se sabe a autoria da ordem de execução, mas há quem diga que ela partiu de Luís Carlos Prestes, que tinha sido um dos principais conspiradores ao lado de sua mulher, Olga Benário, a judia alemã que seria deportada, grávida, para a Alemanha nazista, onde morreu na câmara de gás. Acreditava-se que Elza — amante do secretário-geral do partido na época da Intentona, Antônio Maciel Bonfim, o Miranda — havia se tornado informante da polícia.

HISTÓRIA DIVIDIDA
No livro, cada capítulo tem duas partes. Na primeira, jornalística, Sérgio monta um quebra-cabeça composto de cartas, documentos e entrevistas com sobreviventes e estudiosos da esquerda nacional a respeito do que é mito e o que é verdade na trajetória de Elza. O texto saboroso, de todo modo, está mais para ensaio do que para reportagem: Rodrigues não teme arriscar interpretações, mais preocupado em tatear possibilidades do que em cravar fatos irrefutáveis.

A parte restante dos capítulos compreende o romance em si. Já nos dias atuais, Molina, jornalista decadente, aceita ser o ghost writer de um comunista de 94 anos, Xerxes. O velho era membro do Partidão durante a revolta de 1935 e se apaixonou por Elza na época. O cinismo de Xerxes, desencantado, embora fiel aos antigos ideais, impede que a história debande tanto para a propaganda de esquerda quanto para o contrário.

Graças ao ritmo de thriller, Elza é difícil de largar. Seu maior mérito, no entanto, é adentrar o território da ficção com base em eventos históricos, algo pouco usual na literatura brasileira contemporânea — com raras exceções, caso de Nove Noites, de Bernardo Carvalho. E, como provam os melhores autores estrangeiros, de Philip Roth a W. G. Sebald, mergulhar em traumas coletivos ainda é a maneira mais eficiente de exorcizá-los. A morte de Elza Fernandes é tão trágica e brutal quanto a de Olga Benário. Merece ser igualmente registrada.


Jonas Lopes é jornalista e autor do blog www.gymnopedies.blogspot.com.

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