quarta-feira, 30 de setembro de 2009

terça-feira, 29 de setembro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

VÍDEO CRIATIVO - Her Morning Elegance / Oren Lavie



CRIATIVIDADE ALÉM DE TUDO!

CLIP: COLDPLAY - Strawberry Swing

Um som que é de Goiânia - BLACK DRAWING CHALKS



SEM COMENTÁRIOS, ESCUTE...

http://www.myspace.com/blackdrawingchalks

Dica de BLOG - MÚSICA PARAENSE


Para quem curte uma musica paraense, ou até mesmo quer aprender algo mais sobre o cenário musical do Pará. Acesse:

http://musicaparaense.blogspot.com/

Divulgação - Blog da MTV BELÉM


Entre e confira o blog da MTV Belém

http://WWW.MTVBELEM.BLOGSPOT.COM

Dica de Filme - "APENAS O FIM"


- Apenas o Fim é o resultado de um projeto de alunos do curso de Cinema da PUC-Rio, contando com o apoio do Departamento de Comunicação Social da faculdade.

- Estréia de Matheus Souza como diretor de longa-metragens.

- É o 2º filme em que Erika Mader e Gregório Duvivier atuam juntos. O anterior foi Podecrer! (2007).

- O filme foi inteiramente gravado em HD.

- Exibido na mostra Première Brasil, no Festival do Rio 2008.

Dica de Filme - "GAROTO NOTA 10"


Uma comédia romântica que se passa na década de 80 sobre um jovem estudioso e seu esforço para alcançar seu sonho de infância dentro da Universidade, o famoso Desafio Universitário. Enquanto se prepara para o desafio, Brian Jackson (James McAvoy) se apaixona por uma linda colega de classe, a Alice Harbinson (Alice Eve). Ele vai usar toda sua inteligência, seu conhecimento e charme para conquistar a garota também dos seus sonhos. É uma doce história sobre paixão, conhecimentos gerais, lealdade e adivinhação.

Dica de Livro - "QUE ROCK É ESSE?"


"Que Rock É Esse?", aquele programa apresentado por Beto Lee no Multishow que conta a história dos 50 anos do rock brasileiro, virou um almanaque. Com textos de apresentação escritos por Edgard Piccoli, o livro traz análises e comentários de gente que sabe do assunto: Rita Lee, Nelson Motta, Lobão, Frejat, Samuel Rosa, Edgard Scandurra, Dinho Ouro Preto, Pitty, Evandro Mesquita, Gabriel o Pensador e outros.

* O volume vem dividido em cinco partes, sendo uma para cada década, entre os anos 1960 e os 2000. "Da Jovem Guarda a Pitty", como eles prometem. Também inclui aquelas listas que a gente adora do tipo “Os 10 discos de rock internacional mais vendidos”, “As 10 músicas brasileiras de rock que bombaram na década” e “Os 10 shows internacionais mais importantes no Brasil”.

Dica de Revista? É isso mesmo > VIDA SIMPLES





"A quem não curte um bom livro, mas sim uma bela revista"

Aí vai uma dica "pessoal" de uma revista com temas interessantes que "ultrapassam" o seu dia-dia.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Vicky Cristina Barcelona - Dica de Filme!



Sinopse: Duas jovens americanas - a conservadora Vicky e a aventureira Cristina - viajam para Barcelona a fim de passar as férias de verão e acabam se envolvendo em confusões amorosas com um artista extravagante e sua insana ex-esposa.

A Índia é Pop



O diretor britânico Danny Boyle mergulhou na música popular, na literatura, no cinema e no videoclipe da Índia moderna. A partir dessa pesquisa fez “Quem Quer Ser um Milionário?”, grande vencedor do Oscar

Por André Nigri

• Assista a videoclipes e game shows como os do filme e saiba mais sobre o universo pop indiano

A resposta certa é "E" e faz de Quem Quer Ser um Milionário? um filme raro. É comum que diretores de cinema, quando fazem filmes ambientados numa nação estrangeira, pesquisem sobre os usos e costumes do país para dar credibilidade à narrativa. O britânico Danny Boyle, no entanto, vai muito além disso. Mais do que pesquisar sobre a Índia, ele mergulhou na cultura pop do país — e usou o que aprendeu em seu filme, tocando as bordas do virtuosismo. Assim, Quem Quer Ser um Milionário? é ambientado no mundo dos game shows indianos, baseia-se num best-seller de um autor da nova geração, usa música pop local na trilha sonora, presta tributo à estética dos videoclipes e, como os videoclipes indianos, tem tudo a ver com o cinema popular do país, produzido em Bollywood, apelido do complexo de estúdios localizado na cidade de Mumbai. Num ano em que o Oscar privilegiou o cinema autoral, triunfou o mais radicalmente autoral dos filmes concorrentes, aquele que mais ousou na linguagem. Quem Quer Ser um Milionário? foi o grande vitorioso da maior premiação do cinema, com oito estatuetas, entre elas as duas mais cobiçadas: de melhor filme e melhor diretor.

Não foi exatamente uma surpresa, mas Quem Quer Ser um Milionário? não era o favorito num primeiro momento. O Curioso Caso de Benjamin Button, em que Brad Pitt interpreta um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo com o tempo, parecia ter mais chances e contabilizava mais indicações. O filme de Danny Boyle cultivava a fama de azarão pelo bombardeio recebido no país em que a história é ambientada. Críticos indianos acusaram Boyle de romantizar a miséria do país, ao mostrar de forma estilizada as terríveis condições de vida dos moradores das favelas de Mumbai. Você já ouviu isso antes — sim, aqui mesmo no Brasil, quando Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus, foi acusado pela crítica Ivana Bentes de promover a chamada "cosmética da fome". Num caso como no outro, essa primeira leitura se revelou apressada. Cidade de Deus e Quem Quer Ser um Milionário? não poderiam ser, no entanto, mais diferentes entre si. Apesar das cenas plasticamente impressionantes e das cores quentes, Cidade de Deus é um filme realista — realismo acentuado pelo fato de não ter atores profissionais, e sim pessoas que viviam em condições parecidas com as dos personagens. Quem Quer Ser um Milionário?, ao contrário, é um filme pop. No assunto, na linguagem, nas referências. Ele mostra como um país de tradição milenar forjou uma cultura pop riquíssima (antes de ler sobre isso nos parágrafos seguintes, tente responder às perguntas sobre cultura pop indiana espalhados pela reportagem).

1. QUIZ SHOWS

Nos Estados Unidos, esse modelo de entretenimento televisivo fez sucesso há décadas e teve seu auge nos anos 50. Numa sociedade que se vangloria da tradição meritocrática, os vencedores dos programas de perguntas e respostas, os chamados quiz shows, se tornavam ídolos populares — até que um deles, Charles Van Doren, fosse apanhado trapaceando, o que desmoralizou o formato (o episódio é retratado no filme Quiz Show, protagonizado por Ralph Fiennes e John Turturro). No Brasil, ele viveu seu auge há dez anos, com o Show do Milhão, apresentado por Sílvio Santos. No Ocidente de uma maneira geral, os quiz shows foram ultrapassados e superados pelos reality shows na linha do Big Brother. Num país pobre e dividido em castas como a Índia, no entanto, a possibilidade de mudar de vida da noite para o dia causa frisson até hoje. O principal programa do gênero leva o nome do seu apresentador, Kaun Banega Crorepati, popularmente conhecido como KBC.

No filme, o jovem Jamal Malik (interpretado pelo ator Dev Patel) se inscreve e consegue participar de uma competição chamada exatamente Quem Quer Ser um Milionário?. O Sílvio Santos híndi que faz as perguntas é Prem Kumar, interpretado por Anil Kapoor. No início, o protagonista, que trabalha servindo chá num call center — atividade econômica em alta na Índia contemporânea —, está na última fase do programa e tem duas escolhas: desistir, levando para casa a fortuna de 10 milhões de rúpias, ou continuar, arriscando-se a perder tudo, mas com a possibilidade de, acertando uma última pergunta, dobrar o prêmio. O apresentador Prem Kumar está irritado e custa a acreditar que Jamal não tenha trapaceado nas respostas — todas elas certas até aquela altura. Para ele, é inconcebível que um jovem órfão, nascido em uma favela de Mumbai, sem educação formal e servidor de chá em um serviço de televendas, possa ter chegado até ali.

2. LITERATURA POP

Quem Quer Ser um Milionário? é uma adaptação do romance Sua Resposta Vale um Bilhão, do escritor indiano Vikas Swarup, publicado no Brasil há três anos e agora reeditado. Swarup é um exemplo de escritor pop da Índia contemporânea, que não está ligado à tradição da literatura clássica do país. Ele está ao lado de autores como Vikram Seth, que publicou o romance The Golden Gate, que trata de um grupo de amigos em San Francisco e de temas polêmicos para a Índia tradicional, como o universo gay e bissexual. Ou, ainda, de Suzanna Arundhati Roy, que trabalhou em roteiros para seriados de televisão e publicou seu primeiro romance, O Deus das Pequenas Coisas, uma ficção que, baseada em sua infância na Índia, recebeu críticas elogiosas do The New York Times.

A adaptação do livro de Swarup, realizada por Simon Beaufoy (que levou também o Oscar de melhor roteiro adaptado), obedece à estrutura do romance, bastante engenhosa. Jamal, o protagonista, é acusado de trapacear. Mesmo tendo cultura formal precária, ele tem uma memória prodigiosa, que associa fatos da cultura pop a episódios de sua vida. Assim, a cada pergunta, Jamal rememora um fato ocorrido com ele — e graças a isso acaba chegando à resposta certa. Isso garante que a narrativa mantenha a tensão ao mesmo tempo em que se aprofunda na biografia do personagem. No livro, Jamal narra sua vida a uma advogada que o defenderá no processo. No filme, ele está em pleno interrogatório, às voltas com a polícia. Essa é a única diferença — a estrutura é a mesma.

3. A LINGUAGEM DO VIDEOCLIPE

A estrutura do romance também ajudou Danny Boyle a montar seu filme em ritmo de videoclipe. Esse gênero é tão popular na Índia de hoje quanto o chapatti, espécie de panqueca assada na chapa. O país vive atualmente um florescimento do pop, com artistas como M.I.A., Zubeen Garg e Daler Mehndi. Essa música, ou gênero, é híbrida, incorpora ritmos como reggae, rock, funk e batidas modernas com canções populares da Índia. O gênero é conhecido como Indian pop ou Hindi pop, e seus representantes mais idolatrados são Usha Uthup, Sharon Prabhakar e Peenaz Masani, cujos videoclipes, que têm em comum cenas de ação com muita dança e cores carregadas, são facilmente encontrados no YouTube.

4. O CINEMA DE BOLLYWOOD

A linguagem do videoclipe no filme de Boyle e a música pop da Índia não existiriam se não fosse Bollywood. O termo se refere à gigantesca indústria do cinema popular indiano, que chega a produzir mil filmes por ano, quase o dobro do que Hollywood. Foi na estética de Bollywood que Boyle bebeu para realizar seu filme — que é, antes de tudo, uma história de amor, como 999 em cada mil produções populares indianas. Jamal e seu irmão Salim (Madhur Mittal) eram fãs dos atores de Bollywood como qualquer criança, pobre ou rica, da Índia moderma. Em Quem Quer Ser um Milionário?, Jamal só decide participar do game show — mesmo sabendo que suas chances de vitória são remotíssimas — porque o amor de sua vida, desde a infância, Latika (intepretada pela atriz Freida Pinto), poderá ser libertada das mãos de um mafioso se ele tiver muito dinheiro. Não à toa, no melhor estilo de um filme do gênero, Boyle presta uma homenagem ao musical bollywoodiano. No final, Jamal e Latika dançam em uma estação de trem com centenas de bailarinos, à Bollywood — afinal, as histórias românticas do cinema indiano são sempre pontuadas por muita música e coreografias.

Sem a pretensão de filmar uma ficção documental sobre a situação social da Índia, como queriam alguns críticos, Danny Boyle leva às telas uma bela história de amor e superação, terna e bem-humorada. Hollywood e outras cinematografias do mundo inteiro já trataram muitas vezes do mesmo tema. O grande mérito de Danny Boyle é ter conseguido tecer um enredo em princípio pouco original usando uma linguagem envolvente e inovadora.



O FILME:
Quem Quer Ser um Milionário?, de Danny Boyle. Com Dev Patel, Anil Kapoor e Freida Pinto. Estreia prevista para este mês.

Crítica - Verdades e Mentiras



O escritor mineiro Sérgio Rodrigues mistura jornalismo e ficção para trazer à luz a história de Elza, garota executada pelo Partido Comunista Brasileiro nos anos 30

Por Jonas Lopes

Depois de se aventurar pelo futuro em As Sementes de Flowerville (2006), romance pontuado por referências a graphic novels, o escritor e jornalista mineiro Sérgio Rodrigues se volta para um episódio pouco lembrado e um tanto obscuro do passado em Elza, a Garota. Misturando jornalismo, ensaio e ficção, recupera a história do assassinato da adolescente Elza Fernandes, estrangulada a mando do Partido Comunista Brasileiro em 1936, meses após a malfadada tentativa do Partidão de tomar o poder no governo Getúlio Vargas — a Intentona Comunista.

Entre os detalhes do incidente que permanecem imprecisos, estão a idade de Elza, "nome de guerra" de Elvira Cupello Calônio. A certidão de nascimento dizia 21 anos, mas uma série de declarações e documentos, inclusive o laudo de legistas, aponta para 16. Também não se sabe a autoria da ordem de execução, mas há quem diga que ela partiu de Luís Carlos Prestes, que tinha sido um dos principais conspiradores ao lado de sua mulher, Olga Benário, a judia alemã que seria deportada, grávida, para a Alemanha nazista, onde morreu na câmara de gás. Acreditava-se que Elza — amante do secretário-geral do partido na época da Intentona, Antônio Maciel Bonfim, o Miranda — havia se tornado informante da polícia.

HISTÓRIA DIVIDIDA
No livro, cada capítulo tem duas partes. Na primeira, jornalística, Sérgio monta um quebra-cabeça composto de cartas, documentos e entrevistas com sobreviventes e estudiosos da esquerda nacional a respeito do que é mito e o que é verdade na trajetória de Elza. O texto saboroso, de todo modo, está mais para ensaio do que para reportagem: Rodrigues não teme arriscar interpretações, mais preocupado em tatear possibilidades do que em cravar fatos irrefutáveis.

A parte restante dos capítulos compreende o romance em si. Já nos dias atuais, Molina, jornalista decadente, aceita ser o ghost writer de um comunista de 94 anos, Xerxes. O velho era membro do Partidão durante a revolta de 1935 e se apaixonou por Elza na época. O cinismo de Xerxes, desencantado, embora fiel aos antigos ideais, impede que a história debande tanto para a propaganda de esquerda quanto para o contrário.

Graças ao ritmo de thriller, Elza é difícil de largar. Seu maior mérito, no entanto, é adentrar o território da ficção com base em eventos históricos, algo pouco usual na literatura brasileira contemporânea — com raras exceções, caso de Nove Noites, de Bernardo Carvalho. E, como provam os melhores autores estrangeiros, de Philip Roth a W. G. Sebald, mergulhar em traumas coletivos ainda é a maneira mais eficiente de exorcizá-los. A morte de Elza Fernandes é tão trágica e brutal quanto a de Olga Benário. Merece ser igualmente registrada.


Jonas Lopes é jornalista e autor do blog www.gymnopedies.blogspot.com.

"A Poesia Surge do Espanto"



De repente, quando se ergue da cadeira, o poeta percebe que o fêmur de uma perna resvala no osso da bacia. Aquilo o intriga. “É desse tipo de surpresa que nasce um poema”, diz Ferreira Gullar

Por Armando Antenore

Certa manhã, enquanto fazia recortes para novas colagens, notou que umas tiras miúdas de papel salpicavam o piso da sala. Mal se abaixou com a intenção de recolhê-las, viu que formavam um desenho abstrato. A figura inusitada e bela surgira de modo espontâneo, à revelia de qualquer pretensão estética. O escritor, hipnotizado, apanhou os pedacinhos de papel e os fixou em uma cartolina amarronzada exatamente da maneira como caíram no chão. Batizou o trabalho de Por Acaso, Puro Acaso. Quem percorre o apartamento carioca logo avista a composição pendurada numa nesga de parede e um tanto oprimida pelas dezenas de outros quadros e gravuras que decoram o imóvel — a maioria de artistas tão míticos quanto Iberê Camargo, Rubem Valentim, Oscar Niemeyer e Marcelo Grassmann. "Todos bons amigos", comenta o dono da casa, com um híbrido de displicência e orgulho.

O episódio dos papéis revela muito sobre o jeito de o poeta enxergar a vida e o ato criativo. Para o autor do célebre Poema Sujo, viver (ou criar) é o resultado de um diálogo contínuo entre o arbítrio e o inesperado, a ordem e a desordem, a necessidade e o acaso. O assunto veio à tona numa tarde abafada de fevereiro, ao longo da conversa de três horas que Gullar manteve com BRAVO!. O apartamento de Copacabana, silencioso àquela altura do dia, serviu de cenário.

Viúvo, o maranhense namora a poetisa gaúcha Cláudia Ahimsa. Ele a conheceu durante a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, em 1994. Pouco tempo antes, amargara a morte da mulher, Thereza Aragão, e de um dos três filhos, o caçula Marcos. Inspirado pela atual companheira, escreveu os versos "Olho a árvore e já/ não pergunto 'para quê?'/ A estranheza do mundo/ se dissipa em você".

BRAVO!: O senso comum costuma apregoar que poetas nascem poetas. Poesia é destino?

Ferreira Gullar: Prefiro dizer que é vocação. O poeta traz do berço um modo próprio de lidar com a palavra. Não se trata, porém, de um presente dos deuses, de uma concessão divina, como se pregava em outras épocas. Trata-se de um fenômeno genético, biológico, sei lá. Há quem nasça com talento para pintar, jogar futebol ou roubar. E há quem nasça com talento para fazer poemas. Sem a vocação, o sujeito não vai longe. Pode virar um excelente leitor ou crítico de poesia, mas nunca se transformará num poeta respeitável. Quando um jovem me mostra originais, percebo de cara se é ou não do ramo. Leio dois ou três poemas e concluo de imediato. Por outro lado, caso o sujeito tenha a vocação e não trabalhe duro, dificilmente produzirá um verso que preste. Se não estudar, se não batalhar pelo domínio da linguagem, acabará desperdiçando o talento. "Nasci poeta, vou ser poeta." Não, não funciona assim. Converter a vocação em expressão demanda um esforço imenso. Tudo vai depender do equilíbrio entre o acaso e a necessidade. A vocação é acaso. A expressão é necessidade. Compreende a diferença? No fundo, a vida não passa de uma constante tensão entre acaso e necessidade.

Nada escapa desse binômio?

Nada. O que faz o homem sobre a Terra? Luta para neutralizar o acaso. Eis a principal necessidade humana: driblar o imprevisível, a bala perdida. Concebemos Deus justamente porque buscamos nos proteger da bala perdida. Deus é a providência que elimina o acaso. É o antiacaso.

Você não crê que Ele exista?

Gostaria de acreditar, mas não acredito. Uma pena... Poucas crenças podem ser mais reconfortantes do que a fé em Deus. Ele enche de sentido as nossas vidas sem sentido. "Eu não sou cachorro, não!", cantava o Waldick Soriano, lembra? Uma frase sugestiva, já que os homens realmente não se veem como cachorros. Os homens anseiam uma condição sublime. Não à toa, inventaram Deus: para que Deus os criasse. Se você pensar direito, todas as coisas abstratas ou concretas que a humanidade constrói têm a intenção de dar significado à vida — e, não raro, um significado especial. Nós, que frequentemente praticamos atos injustos, inventamos a justiça. Por quê? Porque desejamos ser melhores do que somos e tornar menos insolúvel o mistério de viver. A arte surge pelo mesmo motivo.

Conclui-se, então, que o poema também almeja dar significado à vida.

O poema nasce do espanto, e o espanto decorre do incompreensível. Vou contar uma história: um dia, estava vendo televisão e o telefone tocou. Mal me ergui para atendê-lo, o fêmur de uma das minhas pernas bateu no osso da bacia. Algo do tipo já acontecera antes? Com certeza. Entretanto, naquela ocasião, o atrito dos ossos me espantou. Uma ocorrência explicável de súbito ganhou contornos inexplicáveis. Quer dizer que sou osso?, refleti, surpreso. Eu sou osso? Osso pergunta? A parte que em mim pergunta é igualmente osso? Na tentativa de elucidar os questionamentos despertados pelo espanto, eclode um poema. Entende agora por que demoro 10, 12 anos para lançar um novo livro de poesia? Porque preciso do espanto. Não determino o instante de escrever: "Hoje vou sentar e redigir um poema". A poesia está além de minha vontade. Por isso, quando me indagam se sou Ferreira Gullar, respondo: "Às vezes".

A falta de controle sobre o ato de escrever o angustia?

Não, em absoluto. A experiência de criar um poema é maravilhosa. Mas, como não depende inteiramente de mim, sei que corro o risco de nunca mais vivenciá-la. Se parar de fazer poesia, vou lamentar — só que não a ponto de disparar um tiro na cabeça. Nenhum poema, de nenhum poeta, me parece imprescindível. Dante Alighieri poderia não ter escrito A Divina Comédia. Ou poderia tê-la escrito de outro jeito. Novamente: tudo se subordina à lei do acaso e da necessidade.

Um poema deve sempre emocionar?

Sim, deve emocionar primeiro o poeta e depois o leitor.

O pernambucano João Cabral de Melo Neto, com quem você conviveu, pensava diferente, não? Ele preconizava uma poesia menos emotiva.

João Cabral gostava de mentir! (risos) Pegue o poema O Ovo de Galinha e veja se aquilo não comove o leitor. Você acha que o João também não se comoveu ao escrevê-lo? Lógico que se comoveu! Na verdade, João recusava a ideia de o poeta transformar a poesia em confessionário, em objeto do sentimentalismo. Daí proclamar que o poema tinha de ser uma construção intelectual. A razão lhe serviu de bússola. No entanto, paradoxalmente, inúmeros de seus versos não resultaram tão frios. À medida que o tempo passa, o João se revela cada vez mais complexo, uma soma de contradições — o que, no fim das contas, só aumenta a grandeza dele.

Você concorda quando os críticos apontam o Poema Sujo, de 1975, como sua obra máxima?

Difícil responder. Não me debrucei profundamente sobre o assunto... O Poema Sujo é, de fato, o que reúne o maior número de interrogações e descobertas — em parte, pela extensão (os versos se espalham por quase 60 páginas); em parte, pela febre criativa que me assaltou enquanto o redigia. Entre maio e outubro de 1975, fiquei imerso no que classifico de "estado poético". Nada me tirava daquele clima. Eu comentava, brincando, que me tornara uma espécie de rei Midas. Tudo em que botava a mão virava ouro, tudo virava poesia. Foi uma fase excepcional. Para mim, porém, trabalhos mais recentes podem ter importância idêntica à do Poema Sujo, por exprimirem reflexões novas, algo que não me ocorrera dizer antes.

Uma parcela da crítica sustenta que você é o maior poeta brasileiro vivo. É mesmo?

Imagine! E como se mede o tamanho de um poeta?, já perguntava Carlos Drummond de Andrade. Que régua consegue dimensionar um negócio desses? Claro que, quando escuto uma avaliação do gênero, me envaideço. Mas não me iludo. Cada poeta, vivo ou morto, é inigualável. O João Cabral, o próprio Drummond, o Vinicius de Moraes, o Mário Quintana nos transmitiram um legado riquíssimo. São inventores de um universo muito pessoal e insubstituível. Sem mencionar o Murilo Mendes, autor de pérolas tão lindas quanto "A mulher do fim do mundo/ Chama a luz com um assobio".

Poeticamente, você jamais permaneceu num único lugar e sempre procurou a renovação. Em contrapartida, como crítico, acabou recebendo a pecha de conservador, por rejeitar diversas manifestações da arte contemporânea. O rótulo o incomoda?

Não, não me incomoda. Nesta altura do campeonato, quando o vale-tudo se apoderou das artes plásticas, a qualificação de "conservador" perdeu sentido. Conservador por quê? Por diferenciar expressão e arte? No meu entender, toda arte é expressão, mas nem toda expressão é arte. Se me machuco e grito de dor, estou me expressando; não estou produzindo arte. Da mesma maneira, se alguém começa a bater numa lata, emite sons; não cria música. O filósofo francês Jacques Maritain, católico, afirmava que a arte é "o Céu da razão operativa". Ou melhor: é o ápice do trabalho humano. Arte, portanto, pressupõe o "saber fazer". Saber pintar, saber dançar, saber esculpir, saber fotografar, saber tocar, saber compor. Tal critério prevaleceu durante milhares de anos, desde as cavernas até o advento das vanguardas, no final do século 19, período em que se questionou o "saber fazer". Pois bem: sob a minha ótica, a preocupação vanguardista é um fenômeno que se esgotou. Por milhares de anos, a arte seguiu adiante sem ligar para o conceito de vanguarda. Ninguém me convencerá de que, em pleno século 21, crucificar-se na traseira de um Fusca, deixar-se filmar cortando a vagina ou masturbar-se numa galeria equivale a um gesto artístico. Segundo o norte-americano John Canaday, historiador da arte, os críticos de hoje temem repetir o erro cometido pelos críticos do século 19, que não compreenderam os impressionistas. Em consequência, assinam embaixo de qualquer bobagem que levante a bandeira do "novo". Percebe a armadilha? Caso três ou quatro artistas resolvam espremer uma bisnaga de tinta no nariz de um crítico, ouvirão dele que praticaram um ato inovador. Definitivamente, não penso desse modo.

Nos tempos de militância comunista, você usou a poesia com fins políticos. O engajamento dos poetas ainda se justifica?

Não, de jeito nenhum. Os poetas, agora, irão se engajar em quê? No socialismo ridículo do Hugo Chávez? Foi um engano imaginar que versos contribuiriam para a revolução social. Admito que um poema consiga iluminar o leitor, consiga lhe abrir a cabeça. Mas daí a mudar a sociedade... Muito complicado! Abandonei todos os mitos daquela época. Não creio mais em luta de classes. Já aprendi que o capitalismo é como a natureza: invencível.

E a crise econômica que o mundo enfrenta atualmente? Não põe o capitalismo em xeque?

Sem dúvida atravessamos um momento delicadíssimo. Mesmo assim, estou convicto de que o capitalismo resistirá. Trata-se apenas de mais uma crise num sistema que vive de crises. Repito: o capitalismo vai imperar porque segue a lógica da natureza. É brutal, é feroz, é amoral. Não demonstra piedade por nada nem por ninguém. Em compensação, nos oferece uma série de benefícios. O capitalismo, à semelhança da natureza, se desenvolve espontaneamente. Não precisa que meia dúzia de burocratas dite o rumo das coisas, como acontecia nos regimes socialistas. Em qualquer canto, há um cara inventando uma empresinha. De repente, no meio deles, aparece um Bill Gates. São multidões em busca de dinheiro! Impossível deter uma engrenagem tão eficiente. Podemos, no máximo, brigar para que as desigualdades geradas pelo capitalismo diminuam. Aliás, convém que briguemos. Não devemos abdicar de um mundo mais justo, ainda que capitalista.

Como você avalia o governo Lula?

Avalio mal. O Lula é um grande pelego. Sabe aquele indivíduo que se infiltra nos sindicatos para amortecer os conflitos entre trabalhadores e patrões? O Lula age exatamente assim. Por um lado, agrada os banqueiros e os empresários. Por outro, corrompe o povão com programas assistencialistas. Posa de líder popular, e a massa o aplaude. Viva o pai dos pobres! Resultado: todo mundo confia no Lula, o rico e o miserável. Em decorrência, as tensões sociais se diluem. Que maravilha, não? Um país de carneirinhos...

Em setembro de 2010, você completa 80 anos. Sente-se realizado?

Olha, a vida é uma cesta em que, quanto mais se põe, mais se deseja colocar. Estamos sempre partindo do zero. Hoje pinto um quadro ou termino de ler um livro. Fico satisfeito. Mas, amanhã, me pergunto: e agora?

Qual o Futuro da Música?



O grupo Radiohead, que vem neste mês ao Brasil, abriu a temporada de previsões sobre as mudanças na arte de compor e veicular canções. Músicas vendidas sem um preço definido e lançadas na internet, artistas sobrevivendo de shows: saiba o que faz sentido e o que é só especulação

Arthur Dapieve

• Ouça um podcast sobre o Radiohead. A banda, que fez da inovação seu método de trabalho, faz shows no Brasil a partir do dia 20/3

• O jazz de Miles Davis, as trilhas de Ennio Morricone e a música erudita de Krzysztof Penderecki estão entre as influências do Radiohead

O já clássico CD In Rainbows não prometia apenas um pote de ouro ao fim da jornada. Lançado em outubro de 2007, o sétimo e mais recente álbum de estúdio do grupo britânico Radiohead, que vem neste mês ao Brasil, acenava para o mundo da música com toda uma nova província repleta de minas de ouro. Primeiro, o grupo disponibilizou o disco inteiro para download na sua página na internet. O fã poderia pagar o que quisesse, a partir de nada. Se, no entanto, pagasse 40 libras (cerca de R$ 130 hoje), recebia em casa uma edição especial com In Rainbows em CD e em dois LPs de 45 rpm, mais um CD de faixas-bônus e dois encartes. Multicoloridos, naturalmente.

Foi uma jogada criativa, ousada e, não fosse o Radiohead oriundo da universitária Oxford, intelectualizada: ao mesmo tempo em que na prática propunha um novo estilo de comercialização, o esquema desafiava o internauta: "Quanto você acha que vale o nosso trabalho?". A partir dessa antevisão de um possível futuro, os profetas do ramo se lançaram a inúmeras predições de curto ou curtíssimo prazo. Portanto, um ano e meio depois do lançamento de In Rainbows, e às vésperas dos longa e ansiosamente aguardados shows do grupo no Rio de Janeiro e em São Paulo (leia mais sobre a banda a partir da página 34), faz sentido checar a realidade de dez delas.

1- O método de vender música sem que ela tenha um preço definido vai se popularizar, estabelecendo uma relação direta de mercado?
TALVEZ. Popularizar talvez não seja bem a palavra. Multiplicar, sim. Porque, sejam elas grandes ou pequenas, somente bandas com um público fiel (cada vez mais raras) podem se arriscar numa empreitada como In Rainbows. Nela, do mesmo modo que o artista tem de confiar no fã a fim de não receber uma banana em troca, o fã tem de confiar no artista para gastar o seu ganha-pão. Por ter cultivado a audiência em 20 anos de carreira, o Radiohead foi extremamente bem-sucedido. Botou o disco na internet, captou dinheiro sem a custosa intermediação de sua antiga gravadora (a EMI), despachou os kits especiais pagos pelos fãs mais abonados e ainda botou o CD nas lojas. Então, para surpresa quase geral, In Rainbows de cara atingiu o topo das paradas inglesa e americana em janeiro de 2008. Nos EUA, isso correspondeu a 122 mil cópias vendidas "normalmente", isto é, no balcão. Menos da metade que Hail to the Thief, de 2003, vendeu na sua primeira semana. Mais do que o Radiohead teria vendido se não tivesse posto In Rainbows para download, como declarou na ocasião um dos empresários da banda, Bryce Edge, ao New York Times. Naturalmente, outros tipos de comércio direto entre artistas e fãs já existem e são viá¬veis (vendas em sites próprios ou na porta de concertos, consórcio de ouvintes etc.), mas em todos eles a lacuna "preço" já vem preenchida. Quem mais se arrisca a dar a cara a tapa?

2- O CD vai mesmo acabar em cinco anos? Qual será o impacto cultural disso?
NÃO. Apesar de gigantes do ramo, como a Warner, trabalharem com a perspectiva de o CD sumir da face da Terra nesse prazo, tal cenário apocalíptico é cada vez menos provável. O que (não) aconteceu com o vinil agora serve de paradigma para o que (não) vai acontecer com o CD. Em meados dos anos 80, dizia-se que este varreria aquele do mercado. Embora, no primeiro momento, isso quase tenha se concretizado, o LP foi voltando, e voltando com força cada vez maior, a ponto de alguns dos principais lançamentos de 2007 (como Favourite Worst Nightmare, dos Arctic Monkeys, um fenômeno da internet) terem vendido mais em vinil do que em CD na Grã-Bretanha. Logo, o CD deve-se tornar outro importante nicho, abastecido por selos como o americano Light in the Attic e suas caprichadíssimas reedições, de Karen Dalton ou Betty Davis. Uma das razões para isso é que o CD ainda tem uma qualidade sonora muito maior do que a música disponível na internet para download — o que faz com que ele proporcione uma experiência musical muito mais rica (veja item 10). De qualquer forma, a quebra do virtual monopólio do CD no mercado já gerou importantes mudanças culturais.

3- Os artistas deixarão de pensar sua obra em álbuns e pensarão música a música?
SIM. E essa é uma das mais importantes mudanças culturais. De certa forma, porém, essa também é uma volta às raízes. Até os anos 40, a música era comercializada uma a uma (normalmente com um lado B de contrapeso). Os artistas as lançavam em compactos, ou singles, de 45 rpm. A partir do advento dos espaçosos LPs de 33 rpm é que os mais bem-sucedidos passaram a reunir seus compactos já testados e aprovados pelo público nesse "álbum". Alguns elevaram essa maneira de pensar ao status de arte, concebendo álbuns em que todas as músicas se interligavam, criando um conceito — como os Beatles em Sgt. Peppers. Com o tempo, o próprio álbum tornou-se moeda corrente: qualquer zé-mané estreante gravava logo um LP inteiro sem ter feito por merecê-lo. Muita música ruim foi produzida dessa forma... Mesmo artistas competentes nem sempre conseguiram estar lá muito inspirados por dez ou 12 faixas seguidas. E tome encheção de linguiça... Nos anos 70, a crítica musical dizia com frequência que duas ou três faixas já justificavam, por si sós, a aquisição de determinado LP; hoje, ela seria apedrejada se sugerisse algo parecido. Álbuns continuarão existindo, claro, mas cada vez mais restritos a quem tem algo a dizer.

4- E os ouvintes mais jovens, da geração iPod? Eles já têm esse tipo de relação com a música? Faixa a faixa, e não por álbum?
SIM. A garotada já nasceu num mundo em que o compacto voltou a imperar. Assim, cada música precisa ganhar a sua disputadíssima atenção... Antes de logo ser trocada por outra, como no shuffle do iPod. Se, por exemplo, o guri ouve Beirut pela primeira vez na minissérie Dom Casmurro, não vê por que comprar o EP Lon Gisland importado. (EP é o meio-termo entre o compacto e o álbum.) Elephant Gun, a música usada na TV, é baixada sozinha. Entretanto, ela é bonita o bastante para atiçar a sua curiosidade por mais músicas compostas por Zach Condon... Esse guri nada hipotético pode baixar o EP e os dois álbuns do Beirut inteiros... E, se virar fã de carteirinha e quiser melhor qualidade de som, ainda pode, quem sabe, comprar os CDs... Mais uma vez, o talento separa o joio do trigo. Pirataria? Pirataria é copiar discos em série para vender.

5- Em vez de CDs, os artistas lançarão seus trabalhos em sites?
SIM. Isso tem acontecido cada vez mais. Não só como possibilidade de venda direta, mas, sobretudo, como teste/aperitivo de uma música. Se bem recebida pelos fãs, tal música pode, ou não, vir a fazer parte de um álbum "à moda antiga". No Brasil, por exemplo, Leoni tem feito isso regularmente em seu site, à base de uma nova música por mês. Até agora, ele já apresentou sete novas canções (como a bela É Proibido Sofrer, parceria com a sua mulher, a atriz Luciana Fregolente) e vai disponibilizar para download gratuito mais cinco. As12 devem formar o seu próximo álbum, um álbum já testado e aprovado na internet.

6- Com esses lançamentos em sites, haverá interatividade como nos CDs do Beck?
TALVEZ. No já longínquo final de 2004, Beck vazou Guero na internet, num mix provisório. Em março do ano seguinte, o álbum foi lançado física e oficialmente. Seguiram-se uma edição especial, com sete faixas extras, som 5.1 e arte interativa, e um disco de remixes, Guerolito. Sem falar nas incontáveis versões feitas por fãs. Foi um auê. De lá para cá, o americano tornou-se um dos artistas que melhor pensam a passagem de uma cultura digital ainda baseada em suportes concretos para uma cultura inteiramente digital, quase abstrata. "São formatos diferentes e inspiram abordagens distintas", disse à revista Wired em 2005. "É hora de o álbum abraçar a tecnologia." CDs que "abrem" conteúdo exclusivo (e passivo) na internet não eram novidade quando ele lançou Guero. Contudo, Beck vislumbrou um futuro mais complexo. Tão complexo, aliás, que por enquanto bem poucos conseguiram chegar a ele. Um dos que chegaram foi o cantor Trent Reznor, do grupo Nine Inch Nails. Entre outras coisas, ele ofereceu jogos de realidade virtual e fez os fãs remixarem suas músicas.

7- Vão acabar os popstars, os artistas que marcam uma geração, como os Beatles nos anos 60 ou Madonna nos 90? Iniciaremos uma era de cauda longa em que cada vez mais artistas venderão cada vez menos de seus discos, como escreveu o jornalista americano Chris Anderson?
NÃO. O rabo cresceu, ampliou-se e vai continuar espichando, certamente: dia a dia, há cada vez mais candidatos a ídolos em oferta enquanto a procura dos fãs é cada vez mais dispersa. Nos tempos pré-digitais já vinha sendo mais e mais difícil "chegar lá" porque os termos de comparação são sempre cumulativos: cada garoto que pega numa Fender Stratocaster pela primeira vez hoje tem de se medir por todos os outros garotos que pegaram numa Fender Stratocaster antes dele, não só com Eric Clapton — ao menos se quiser viver disso. Com a cultura digital, a competição se tornou mais dramática, mas ainda há vagas para ídolos. Os Arctic Monkeys, por exemplo, que se popularizaram a partir do boca-a-boca gerado na internet, bem podem ser os grandes astros desta geração. E a web alarga o espaço para fenômenos localizados, para estrelinhas como Mallu Magalhães.

8- A facilidade dos arquivos digitais acelera o processo de banalização da música?
SIM. Desde que a música passou a ser gravada, em fins do século 19, esse processo está em andamento. Antes do advento das gravações, ouvir música implicava sair de casa, reunir-se aos concidadãos, apreciar uma execução única de uma obra de Brahms. Havia uma dimensão meio sagrada nisso. Com os discos físicos, a música passou a ser consumida a qualquer momento, em casa, solitariamente, em família ou entre amigos, em torno do último LP dos Beatles. Ainda havia algo de mágico e misterioso nesse tour. Hoje, os aparelhos portáteis com fones de ouvido carregam Britney Spears o tempo todo, por todos os lugares, num vício solitário. Escuta-se tanta música que já não se ouve quase música alguma. Nossa sociedade tem horror ao silêncio, talvez por nele pressentir a morte. "O resto é silêncio", diz Hamlet. Porém, é o silêncio que dá sentido à música.

9- O artista viverá dos shows e não das gravações?
SIM. Essa já é uma realidade há bastante tempo para os nomes bem-sucedidos, como Caetano Veloso ou Paralamas do Sucesso. Tanto que, diante da crise em suas outrora infinitas terras, algumas gravadoras pressionaram para se tornar sócias de seus contratados também nas turnês. Todavia, o caso mais criativo e notório é o da Banda Calypso, que pirateia os próprios discos. Os vendedores que correm ruas e praias do Norte-Nordeste com sistemas de som armados sobre carrinhos estimulam o público a ir aos seus shows, que são onde de fato Joelma e Chimbinha ganham a vida.

10- Os novos formatos desprezam frequências da música, levando à perda da riqueza e da profundidade do som?
SIM. O arquivo mais comum, o de 256 kbps, comprime a música de tal forma que joga fora as frequências nas "beiradas" do espectro, as mais agudas e as mais graves — que, no entanto, são preservadas no CD e, em menor grau, até no velho LP. No MP3, fica uma maçaroca monótona, chapada, que tende a cansar o ouvido e fazer toda música soar como a mesma. O Radiohead, na hora de dar In Rainbows de presente, comprimiu-o mais, em 160 kbps. Não dava para amplificar e tocar na festinha. Por outro lado, em 2008, quando o Nine Inch Nails ofereceu o álbum Slip para download gratuito ("como agradecimento pelo apoio constante" dos fãs), já o fez em cinco formatos: do MP3 de alta qualidade ao Wave 24/96, som melhor do que o de um CD — desde, é óbvio, que se tenha um bom som acoplado ao computador, não umas caixinhas de papel. Arquivos pesados afugentam o ouvinte casual, certo, mas quem ama a música de paixão precisa deles: ouvir, de verdade, o que o artista tem a dizer e reagir a isso emocionalmente ainda é a experiência interativa por excelência.